quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Coisas que Escrevo 47 - Abrir os Olhos.

Você já se perguntou qual foi a primeira sensação da qual lembra ter tido quando abriu os olhos pela primeira vez?

Bem, eu não sei você, mas eu posso descrever exatamente qual é a sensação que estou sentindo, afinal essa é a primeira vez em que abro meus olhos e o que eu tenho a dizer sobre essa minha sensação é alívio. 

Eu não sei se dentre as pessoas que estão no mundo, todas tenham tido essa mesma impressão. Tenho certeza que muitas não vão se lembrar, pois seriam apenas um bebê recém-nascido quando abriram os olhos pela primeira vez. E é por isso que eu queria contar sobre como eu estou me sentindo.

Abrir os olhos.

É tão subjetivo que vou deixar para que você decida sobre de que maneira me refiro quando digo que abri meus olhos. Além da forma literal, pode ter acontecido mais metaforicamente, como quando se realmente percebe onde se estava indo e nos vemos na beira do abismo a qual estávamos prestes a cair. Mas para que possam chegar a uma conclusão, eu vou lhes contar um pouco sobre mim e como eu cheguei até este momento em que lhes faço essa pergunta.

Eu tive uma vida como qualquer outra pessoa que se considera normal. Pais que cuidavam de mim, irmãos que me atormentavam, amigos pelo caminho e namoradas que iam ou vinham em boa parte de minha adolescência e maturidade. Não me formei com grande louvor e não tenho o melhor emprego do mundo, mas ainda sim me considero uma pessoa normal como todas as outras.

Em meio a minha notória monotonia, houve uma mulher que conheci que fez o meu mundo normal ser totalmente virado de cabeça para baixo de uma forma que eu até então não tinha vivenciado. Eu a conheci em um dia da semana, em um lugar público onde passam milhares de pessoas a todo instante e mesmo assim, parecia que só existíamos os dois em meio a todas as pessoas que ali estavam. Foi quase que instantâneo o meu interesse e não foi difícil imaginar que quando eu percebi já estávamos juntos a algum tempo.

Nossa relação foi marcante por sempre nos falarmos e praticamente ela me acompanhar sempre que eu saia de meu trabalho para o caminho de casa. O qual eu fazia demorar mais de três horas para gastar esse tempo com ela. Sentir o seu rosto em minhas mãos me fazia saber se ela estava feliz por ali estar, e era comum fazermos esse cumprimento secreto, quando acredito que todas os casai já logo se beijam quando encontram com o seu par, mas não eu, não nós.

Acredito hoje que o começo seria o que todos dizem ser o mar de rosas de um relacionamento, onde todos fazem tudo para agradar um ao outro e dizem não podemos considerar que conhecemos a pessoa de verdade pois isso leva algum tempo. O meu tempo durou menos de um ano.

Nesse tempo eu conheci seus colegas, ela minha família, conheci seus trejeitos, ela meus defeitos, conheci o que parecia sua rotina, ela minha vida. É complicado de se pensar agora, porque eu não sabia exatamente muitas coisas sobre a pessoa com quem eu estava, pois quando se tratava dela tudo era muito superficial, enquanto eu tentava abrir meus sentimentos e mostrar a ela quem eu era em minha raiz.

Me joguei na vida dela esperando que eu tivesse um pouco de atenção. Eu buscava saber de verdade quem era aquela pessoa que escondia algumas camadas de si mesma e tudo isso para se proteger de algo que eu não sabia até aquele ponto o que era.

Em meus pensamentos eu era somente dela, e por isso o tempo que eu tinha eu tentava planejar para que ela ali estivesse. Mas não era bem assim que acontecia e acabava algumas vezes com ela precisando estar em algum outro lugar onde eu não era convidado e muito menos me auto convidava. Por outro lado coisas como "me encontra daqui a vinte minutos no parque" começaram a ficar bem comum quando ela me ligava, e eu sempre disposto a passar um tempo com ela ia sem pensar duas vezes.

Chegamos num ponto em que comecei a ir para lugares que eu normalmente não iria só para estar ao lado dela nem que fosse por dez minutos. Sim, eu cheguei a gastar duas horas no caminho para vê-la por dez minutos e ela ter que ir para outro lugar sem eu poder ficar com ela, mas para mim, valia cada segundo.

Talvez você esteja se perguntando o porque eu me submetia a tal coisa? Bem, temos que admitir que apesar do começo onde ficávamos o tempo todo juntos, ela era muito fechada com o que sentia. Mas foi em nossa primeira noite que acho que ela me contou exatamente quem era. Enquanto me contava sua história chorava em meus braços e eu só a ouvia, e naquela noite eu soube que aquilo não deveria ter sido ouvido por outros homens e me fez sentir alguém único. Por menor que fosse o tempo, eu sabia que eu era importante naquele segundo e por isso eu queria acreditar que eu era diferente dos outros. Acho que por isso que eu assumi as coisas e por mais que fosse difícil queria mostrar que eu não iria sair de onde me coloquei.

Houve um dia em que estávamos juntos curtindo nossa madrugada, em que ela estava fazendo sua rotina e eu a acompanhando para saber que estaria bem, quando ela apenas mudou. Não sabia mais quem eu era ou o que estávamos a fazer naquele lugar em que estávamos. Tive que tomar atitudes e mesmo sem saber a levei até onde eu a poderia deixar com alguns que se diziam seus amigos. Eu não sabia onde eu estava mas tive a sorte de um amigo meu viver próximo e me trazer no rumo de minha casa.

Cada vez menos estávamos juntos agora e a distância vinha me machucando cada vez mais. Na última vez em que estivemos juntos havia começado como das ultimas vezes, ela me ligando no meio da noite e me chamando para vê-la. Eu larguei o que estava fazendo e fui ao seu encontro para descobrir que ela não estava sozinha, mas pelo menos comigo ficou e queria passar a noite ao meu lado. Após uma noite tranquila e quando finalmente ficamos a sós, no mesmo instante tudo que começou como uma brincadeira, acabou quando ela ali me deixou. Quando saí tudo o que ouvi como explicação era que foi um teste e que eu saberia o resultado quando nos encontrássemos novamente.

Teste esse que eu nunca soube se passara.

Um pouco mais de um ano se passou desde que tudo começou, mas eu e meu coração já estávamos cansados de tanto chorar. Eu já não tinha mais lágrimas muito antes de tudo isso começar, imagine então a dor que tudo me causara agora. Por isso eu resolvi que no meu aniversário faria alguma coisa por mim, e apesar de saber que ela ali não estaria por apenas ter outra coisa para fazer, eu resolvi me dar esse presente.

Foi no dia do meu aniversário que aconteceu. 

Eu estava envolto a amigos e familiares e não podia acreditar que tudo havia dado certo até aquele momento. Tudo o que eu queria era mostrar pra ela o que ganhara para que ela pudesse partilhar de minha felicidade, pois eu acreditava que quando visse ela ia estar feliz por mim e eu esperei ansioso pela próxima vez em que falássemos. Em meio a todas as pessoas que ali estavam eu não percebi o seu contato e não a atendi quando ela veio a mim. Algumas horas depois ela tentou novamente, eu a atendi e foi quando conversamos pela última vez.

Ela disse que eu não me importava, que eu não a amava e que eu não era o homem que ela imaginou. Dizia que eu não sabia o que ela pensava, não elogiava suas cores e que ela não poderia estar com alguém assim, que não sabia se ela tinha ou não pintado o cabelo, se suas roupas combinavam, que não podia opinar se algo é bonito ou feio apenas com ela me mandando uma foto. Ela me jogou a decisão de deixá-la dizendo que ela não podia mais suportar eu ser como era.

Foram poucas as coisas que eu consegui dizer naqueles segundos. - Eu vou mudar, ou melhor dizendo, eu mudei e posso te provar. Não me deixe, não hoje.

Acabou. Não precisa tentar me encontrar, porque acabou o que temos. - Foram suas últimas palavras.

Hoje é meu aniversário. - Eu queria ter pensado em algo mais elaborado, mas não sei porque essas foram as minhas únicas e últimas palavras naquele momento.

Eu consegui sentir mesmo que por um instante um pouco de hesitação na sua respiração depois de minhas palavras. Mas ainda sim ela se foi.

Hoje, dois anos depois, eu estava aqui sentado em meu sofá ouvindo depoimentos de pessoas que conseguiram mudar sua vida depois de uma queda gigantesca, quando que reconheci sua voz em um dos depoimentos e ouvi cada palavra que ela disse naquele programa. Talvez eu nunca veria se não estivesse trocando de canais e tivesse que parar para saber o que estava passando.

Ela disse que agora estava bem, trabalhando, já casada e com uma pequena filha, mas que teve uma época em sua vida que estava decaindo bem rápido, apesar de ter alguém que ela amava muito em seu mundo e que com certeza a amava ainda mais, ela não poderia mais deixar sua rotina acabar com a vida desta outra pessoa, e que ela teve que deixar a pessoa que ela mais amou viver, pois apesar de não ver ele merecia ser feliz porque tinha os olhos azuis esverdeados mais lindos que ela já tinha visto e não era justo ele sofrer por coisas que ela não poderia ser para ele.

Foi ai que eu finalmente abri meus olhos e pude ver a imagem da mulher que eu havia conhecido por detrás do semblante que eu tinha apenas como referencia do tato.

Bem, nasci cego e ainda era quando a conheci. Durante toda minha vida eu aprendi a conhecer as coisas pelo tato, olfato, paladar, audição e isso nunca me impediu de fazer nada, pois além de algumas facilidades eu sempre me esforcei para ter uma vida como vocês diriam normal. Em nosso relacionamento eu só a via com minhas mãos quando a tocava. Só sabia que estava feliz ou triste em nossos beijos. Apesar de tudo isso eu não saberia dizer exatamente como seriam as cores de um dia ou qualquer coisa que dependesse de minha visão. 

E foi por isso que próximo ao meu aniversário eu decidi tentar uma cirurgia com base em células tronco que até então era totalmente experimental. Eu queria que ela fosse a primeira pessoa que eu visse quando abrisse os olhos, mas que devido aos acontecimentos eu ainda não sabia se havia dado certo ou não.

Depois de ouvir aquelas palavras, eu finalmente consegui abrir os olhos.

Hoje eu vejo que naquele momento alguém além de mim estava se preocupando com o meu bem estar, e que apesar de ter doído era uma maneira de me mostrar que me amava, e eu poderia ser feliz mesmo que não com a pessoa que estava ao meu lado.

Apesar da minha relutância em quebrar minha promessa de abrir os olhos após a operação para saber se minha operação deu certo mesmo depois disso, eu ainda continuei com minha vida, meu trabalho, meus amigos e família que sempre estiveram comigo, e é por isso que eu estou aliviado.

Sei que eu não estou sozinho e apesar de não sabermos o porque, tudo sempre terá um motivo e com resultado disso, nada mais importará a não ser a nossa felicidade.


Fernando Vilela Paciencia

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