sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Coisas que Escrevo 49 - Lembrar.

... Ah... Ah... Ah...
... Onde estou?
... Por que eu não consigo ver nada?
... Espera, eu consigo sentir que estou me mexendo, consigo sentir a mão em meu rosto e sinto meus olhos abertos mas não consigo me enxergar...
... Me sinto sem energias apesar disso, ofegante e ainda não consigo ver nada?

... Ah... Ah... Ah... 
... Onde eu estou?
... Pense, pense, pense... Onde eu estava?.. Como vim parar aqui?
... Espera, eu me lembro... Me lembro de estar procurando... Procurando alguém? Procurando alguma coisa? Procurando algum lugar?
... Droga... Eu não consigo me lembrar...

... Que dia é hoje?
... A quanto tempo eu estou aqui?
... Eu... Eu não consigo falar! Por mais que eu abra minha boca, não consigo emitir nenhum som! O que há de errado comigo?
... Socorro... Não... Na verdade... Não, eu não me sinto com medo. Certo, eu estou em algum lugar que eu nunca vi, não consigo enxergar, não consigo falar, mas eu não tenho medo. Só estou curioso.
... Curiosidade. Ta aí, uma coisa que eu sempre tive.

... Pense, pense, pense...
... Hum... Gostoso... Agora eu estou me alimentando...
... Mas de onde está vindo isso? Alô! Alguém!?
... Por mais que eu tente me mexer, eu logo me sinto cansado e não encosto em ninguém para ter a certeza de que não estou sozinho.
... Estou sozinho então.
... Engraçado, eu sei que não estou.

... Ah... Ah... Ah... 
... Onde eu estou?
... Ouço vozes ao longe.
... Parece... Parece... Não sei mas eu tenho certeza que eu conheço essa voz!
... Tem um lado aqui que fica mais quente as vezes. É gostoso ficar ali perto.
... Ai, ai, ai, ai, ai! Dor! Parece que estão me apertando, mas não tem ninguém aqui! Me deixem em paz!!!!

... Pense, pense, pense...
... Eu me lembro agora. Lembro que estava numa cama. Minha esposa partira a poucos anos devido a uma doença que nos pegou de surpresa. Eu com a medicação certa, pude aproveitar alguns anos a mais de saudade. Saudade. Eu tinha todos os dias de minha querida esposa. Mas apesar disso, nossos filhos sempre vinham me visitar naquela que fora o nosso lar. Lar que construímos com muito cuidado durante os sessenta anos que partilhamos juntos. Parece que foi ontem. Nosso primeiro ano em casa onde recebemos a florzinha de nosso jardim. Me lembro dela agora já mulher e cuidando de sua família. Nossos netos. Tão amorosos e que nos dias em que me lembro sempre vinham me contar histórias achando que eu iria dormir. Histórias que contávamos a nossa flor quando pequena. Essas mesmas histórias que ficaram marcadas como sendo nossa e espero que nossos netos contem aos seus filhos e aos filhos dos filhos. É não é? O pequeno eu não sei, mas nossa neta eu tenho certeza que irá contar essas histórias ao seus filhos quando tiver algum. Que saudade. Lembro de você ao meu lado enquanto andávamos no nosso parque. Aquele que nos conhecemos e onde eu lhe dei uma flor que apanhara de uma pequena árvore. Foi naquele dia que eu te chamei de flor. Eu sempre te vi assim durante meus dias. Tivemos uma boa vida não é? Acho que estou chorando agora.
... Ouço vozes ao longe...
... Parece... Parece... Eu sei que conheço essa voz!
... Mas o que aconteceu? Será que eu finalmente perdi meus sentidos? Estou naquela fase terminal onde não se sabe se está vivo ou acordado e minha família deveria decidir o que fazer comigo?
... Não... Eu estou feliz aqui...

... Ah... Ah... Ah... 
... Agora! Eu consigo ver! Tem uma saída aqui! 
... Fiquei tanto tempo imerso a essa escuridão, mas finalmente encontrei! Tem alguma luz no fim deste caminho!
... Minha filha! Ouço a voz de minha filha do outro lado! Ela está um pouco diferente, mas sei que é ela! Ela está me trazendo de volta!
... Ah... Ah... Ah...
... Onde eu estou?

... Eu me lembro agora. Lembro das lágrimas. Minha filha... Seu marido... Meus netos... Todos chorando ao pé de minha cama. Me lembro da sensação de tristeza. Me vejo deitado, mas eu mesmo não estou mais ali. Sei que já parti. Eu... Eu parti?.. Me lembro da sensação do depois. Lembro da sensação de flutuar. Ou seria de boiar? Eu nunca aprendera a nadar então não saberia dizer a não ser que eu estivesse me afogando. Ha ha ha. Sei que faz parte de todo ciclo, mas acredito que nunca vamos estar preparados para isso. Mas eu não estou chorando agora. Estou triste por deixar minha pequena flor que agora tinha sua família, mas esse é o maior motivo por eu não ficar triste. Ela tinha sua própria família agora e por menor que tenha sido o meu tempo ao lado deles, eu aproveitei cada segundo. Segundo que não tive você ao meu lado no final minha flor. Ah como eu queria mais uma vez te encontrar! Ah como eu sinto a falta de conversar com você. Já que eu também parti, será que eu vou conseguir te encontrar? Não.
... Espera, eu me lembro... Me lembro de ser você quem eu estar procurando e de alguma forma saber que você não está mais aqui. Mais aqui!? 
... Ah... Ah... Ah...
... Agora! Eu consigo ver! Finalmente tudo começou a fazer sentido. Era você. Minha filha. Era você que eu ouvia, enquanto acalentavam os momentos em que eu me mexia. Era você que cuidava para eu não ter problemas enquanto estava a me preparar para vir de volta ao mundo. Eu tive uma nova chance. Nova chance que eu não sei se é dada a todas as pessoas como eu, mas eu sei. Sei que ela me foi dada para uma única razão. Sei que ela me foi dada para encontrar de novo a minha flor. Ah meu amor, se você pudesse ver... Nossa filha já é avó! E eu... Eu estou aqui mais uma vez só para te encontrar.
... Pense... Pense... Pense...
... Eu começo a esquecer de novo. Não me importa. Eu sei que o que me lembro não vai durar por muito tempo, mas isso não me fará falta. Talvez você me pergunte o porquê? 
... Não me fará falta, porque tudo sempre vai estar em nossa família. E eu sei que mesmo sem me lembrar de nada, eu nunca vou esquecer de você!

Fernando Vilela Paciencia

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