terça-feira, 13 de março de 2018

Coisas que Escrevo 57 - Melissa.

Sabe, hoje eu quero fazer algo diferente. E com diferente eu quero dizer que vou fazer algo que está ainda mais longe de qualquer outra coisa que eu me imagino fazer, mas o que exatamente?

Foi com esses pensamentos que eu me lembro de ter acordado naquele primeiro dia, e que muito provavelmente foram esses pensamentos que me levaram a dar início ao momento em que eu estou hoje.

Eu já havia feito de tudo até aquele momento, pelo menos tudo o que eu conhecia em meu pequeno mundo. Já tinha aprendido a me expressar, a tentar barganhar quando queria algo, a conversar com estranhos, a desenhar em meu bloco de papel, a brincar nas ruas, a chorar por manhã, a usar as coisas que vinham a ficar cada vez mais avançadas com o passar do tempo, se eu fosse resumir poderia dizer que já havia feito tudo de uma vida. Mas foi aí que você por um mero acaso descobre que não é bem por aí. E foi assim que conheci, Melissa.

Só por curiosidade, comecei a me aventurar no que estava na moda naqueles tempos. Estava sendo introduzida uma nova forma de conhecer desconhecidos. Fazer coisas irreais se tornarem reais e tudo partindo de uma simples conversa através de uma tela digital. Para todos, aquilo era muito revolucionário, mas para mim era apenas um meio de se jogar um jogo virtual com alguém a quilômetros de distância. Mas como qualquer outra pessoa curiosa quando compra um brinquedo novo, logo fui me aventurar pelos meios virtuais que me levariam a encontrar e conversar com alguém, com Melissa para ser mais exato.

Aos poucos me familiarizei com as maneiras de como as pessoas interagiam nesses ambientes virtuais, comecei a entender as nomenclaturas, as formas mais rápidas de chamar uma atenção e partir para a razão de todo esse sistema existir que era de fato, conhecer alguém. Sempre que eu tentava me conectar, tentava por horas a fio encontrar alguém que tivessem coisas semelhantes comigo, mas muitas eram as conversas frustradas ou irrelevantes que me levavam ao que logo viria a me fazer perder o interesse por aquela coisa tão mirabolante. Conheci algumas pessoas sim, isso eu não posso negar, mas nenhuma que me fizesse acreditar que algo virtual pudesse se tornar de fato algo mais, que pudesse virar algum tipo de realidade.

Foi então que em uma das seções eu me deparei com Melissa.

Em uma noite como outra qualquer, no meu dia de folga, estava eu a digitar com outras pessoas, sem nenhuma pretensão, pois já sabia que de nada me levaria as conversas vazias que vinha tendo, e foi quando assim de repente alguém me chamou para conversar. Como qualquer início de conversa, a primeira coisa é saber de onde a pessoa é, para se ter uma ideia do quão difícil vem a ser levar uma conversa mais a fundo, afinal sendo pessimista, depois de muito o que conversar o ideal é marcar de sair com a pessoa que está a tanto tempo conversando contigo, afinal, será a primeira vez que você vai ver aquela pessoa que já estaria instalada em sua rotina. Fiquei meio perplexo por ela morar do outro lado do país em que eu moro e mesmo já desanimando no início por saber que nunca viria a conhecer, decidir ser bem-educado e continuar a conversar com ela, apenas para passar o tempo. Eu comecei aos poucos a me apaixonar. Tudo nela era extremamente interessante, as coisas que ela gostava, o modo como ela pensava, as coisas que já havia feito, tudo tinha um quê, que me deixava cada vez mais interessado naquela que eu havia a pouco conhecido. As horas se passaram, mas a impressão que eu tive era de que foram apenas alguns minutos de tão em bom tom que a conversa caminhava, mas logo chegou a hora de nos despedirmos. Como eu poderia deixa-la escapar por entre os meus dedos, agora que eu havia encontrado alguém que realmente valia a pena? Meio sem jeito lhe perguntei se ela voltaria no dia seguinte e para minha surpresa ela concordou desde que eu acessasse também o mesmo objeto de interação. Combinamos mais ou menos um horário de nos “encontrarmos” e assim, fomos seguindo dia após dia.

Era tão incrível conversar com ela, como isso era possível? Nós sempre marcávamos nossos encontros e tanto um quanto o outro sempre estava lá, na hora que marcávamos. Não era uma lei, era só vontade de conversar entende? O papo, as brincadeiras, as lamentações, as felicidades, tudo nos era compartilhado e eu sem saber ia cada vez mais me interessando e me apaixonando por aquela moça que eu nunca tinha visto, mas que eu sabia que ali existia, porque não era possível alguém inventar tantas coisas sobre sua vida assim sem mais nem menos, e a troco de que? Afinal tudo o que tínhamos um do outro, eram as conversas.

Com o passar do tempo, queríamos deixar as coisas mais pessoais e eu lhe dei o meu contato de correspondência direto e partimos do canal digital em grupo para conversas de um com o outro e mais ninguém. Não que fizesse alguma diferença, porque quando ela estava comigo eu não conseguia prestar atenção em mais ninguém que me chamava nas conversas, afinal tudo o que eu havia procurado desde então, estava comigo ao meu “lado”.

Um dos momentos mais difíceis que passei com ela foi quando ela me pediu que enviasse uma foto. Além do fato dela pedir para eu lhe enviar algo meu, qual foto eu deveria escolher dentre todas as que eu tinha disponíveis em minhas mãos? Eu não parecia bonito em nenhuma! Será que o problema era que eu não era bonito então? E se ela também achasse que eu não era o bastante e sumisse? E se por isso ela nunca me mandasse uma foto? Eram tantas as minhas dúvidas que demorei alguns dias até me decidir, mas mandei a foto que eu achei que estava em melhores condições e esperei. Não demorou muito para ela receber e dizer que eu era tão lindo quanto ela esperava e quando eu recebi a dela eu tive a certeza de que a projeção de Melissa que eu tinha meus pensamentos, batiam exatamente com a senhorita que agora eu tinha a visão. Como eu estava feliz e cada vez mais apaixonado.

Foi depois disso que o fator distância começou a incomodar. Afinal agora tudo o que faltava era vê-la pessoalmente para poder ouvir sua voz também. Sim, eu até então não tinha ligado para ela, pois estar do outro lado do país, tornava inviável tal necessidade, então a forma mais tranquila de ouvir a doce voz dela viria a ser encontra-la pessoalmente, mas como? Ela estava a literalmente milhares de quilômetros de distância e eu não tinha como me locomover sem nem ao menos dirigir. Foi então que tive uma ideia, chegaria o final do ano e eu poderia pedir de aniversário um presente à um tio bem próximo, que no meu aniversário costumava atender um pedido meu. Fui até ele e disse minha ideia, dele me levar até lá para que eu pudesse encontrá-la. Ele achou de uma extrema bobagem, mas quando chegasse a hora disse que conversaríamos.

Ansiosidade me definia. Eu já havia contado a Melissa sobre a grande novidade e ela ficara extremamente feliz, tanto quanto eu e eu comecei a contar os dias para chegar. Conversávamos tanto, nos curtíamos tanto, e queríamos tanto nos ver que eu não via o porquê esperar tanto por algo que poderia fazer toda a diferença. Pensei em algo durante dias, e o que me fez parecer meio estranho para as pessoas, só desabrochou no dia em que eu lhe pedi, “quer namorar comigo?”. Foi com essa frase que eu escrevera a última mensagem para a Melissa.

Não tive resposta aquele dia. Bem ela poderia estar ocupada e não teve tempo de ver suas mensagens.
Não tive resposta no dia seguinte. Bem ela poderia estar viajando e se esqueceu de me avisar.
Não tive resposta naquela semana. Será que aconteceu alguma coisa?
Não tive resposta na outra semana. Bem, eu fui o mais idiota de perguntar algo assim por mensagem eletrônica. Ele deve ter perdido todo o interesse em mim e agora está com medo de falar comigo e eu a pedir em casamento. Como eu posso ser tão burro dessa maneira?
Não tive resposta naquele mês. Será que ela está doente? Será que aconteceu algo mais grave?

Eu tentava me segurar, mas a vontade de entender o que havia acontecido era grande demais. Eu havia mandado outras mensagens pedindo desculpas, perguntando se eu apressei demais as coisas, se ela estava brava, se tinha acontecido algo, me lembro do dia de escrever chorando se ela poderia conversar comigo apenas para eu saber se ela estava bem. Ela nunca retornou.

Como as coisas passam, essa era mais uma delas e demorou acredito que três meses para eu ficar tranquilo e relevar o que viria a ser um ano perdido para meu coração. Eu havia encontrado algo naquele treco eletrônico e quando tentei trazer para o mundo real por acreditar que estava pronto, o mundo desabou sobre a minha cabeça. O aprendizado ficou e a distância das coisas que me lembrassem de Melissa era inevitável.

Foi quando em um dia durante a semana, eu recebo uma mensagem eletrônica dela.

“Olá. Meu nome é Juliana, e eu estou mandando essa mensagem com um grande aperto em meu coração. Eu e meu marido discutimos muito antes de eu enfim lhe escrever mas acho que você que abriu tanto seu coração deve ao menos uma explicação sobre o que aconteceu. A Melissa nunca existiu. Por estarmos com tédio, eu e meu marido entramos na rede social de conversas digitais e resolvemos que iriamos conversar com alguém e inventar sobre alguma pessoa apenas para nos distrair, e naquele dia era você que estávamos a conversar. Por pura brincadeira resolvemos deixar a coisa evoluir e ver até onde iria, por isso tudo o que falávamos era invenção, entravamos sempre para ver até onde sua ingenuidade ia, e cada vez mais mentíamos para ti inventando alguma nova história sobre algum assunto que liamos, ou que pensávamos só para fazer mais crível essa história. A foto que mandamos, é de uma garota de verdade sim, mas a pegamos no acesso de procura universal. Digitamos uma palavra chave qualquer e a foto da garota que mais se assemelhava aos nosso relatos foi a escolhida e lhe enviamos sem compromisso nenhum. E por mais incrível que possa parecer, acredito que ainda estaríamos conversando com você falando em nome de Melissa, se você não tivesse feito o que fez. Quando recebemos o seu pedido de namoro, foi como se um choque de realidade batesse em meu coração, até onde estávamos indo com uma criança que mal sabe interpretar o quanto a vida pode lhe enganar? Foi quando desaparecemos e paramos de lhe responder. Meu marido era da opinião de apenas sumir e esquecer tudo o que lhe fizemos, que uma hora ou outra você iria cair em si e deixar as coisas seguirem, mas pra mim, eu queria muito lhe contar a verdade, acho que pelo menos isso é algo que eu lhe devia e por isso eu estou aqui lhe mandando essa mensagem e lhe pedindo minhas sinceras desculpas.”

Acredito que depois de ler, foi como se o meu tempo ali estivesse congelado. Eu durante vários minutos não consegui desviar o meu olhar mas meus olhos não paravam de se mover, relendo algumas partes aqui e ali de tudo o que eu havia recebido. Palavras chaves pipocavam em minha mente e eu acredito que naquele momento eu consegui ouvir, o meu castelo ruindo pedaço a pedaço.

Silêncio.

Me levantei, apaguei a última e todas as mensagens anteriores daquele destinatário fui até meu quarto e chorei. Não consigo mensurar a dor que tive naquele dia em saber que tudo o que acreditara naquele mês não passara da invenção da cabeça de duas pessoas. Eu não conseguia acreditar no porque de ter acontecido logo comigo, algo tão surreal assim, afinal eu era o último a acreditar que algo daquele mundo poderia se tornar realidade, mas ainda sim, mesmo despois de ter tanta certeza de que tudo não poderia passar de conversas jogadas ao vento por pessoas que perdiam tempo, eu em alguma brecha me permiti sonhar e deixei alguém entrar. Então porque, logo a pessoa que eu permiti fazer parte de meu mundo não existia? Irônico não é? Você acreditar tão cegamente em alguém que não vê, que nunca esteve realmente ali, mas que consegue te fazer se entregar tanto e com tanta força, força essa que agora eu conseguia sentir em meu peito. A vontade de puxar ele com toda a força e jogar para um lugar tão escondido, que nunca, ninguém mais poderia encontra-lo para que ele nunca mais fosse machucado. Eu chorei. E chorei por muito, muito tempo sem que ninguém soubesse, afinal eu fui enganado e não deixaria ninguém descobrir mais isso. Ninguém descobrir mais quem eu sou. Ninguém mais deve entrar, porque em algum momento, eles vão me machucar. Eu sei. Eu sinto isso. Eu estou chorando por ser tão idiota a esse ponto, mas eu nunca mais vou me deixar levar. Nunca mais vou deixar que me enganem dessa maneira tão despretensiosa. A mentira que eu me permiti viver é a maior mentira que alguém pode encenar, mas agora, agora todas essas lágrimas e dor vão me fazer lembrar do porque eu não devo deixar ninguém fazer parte de minha vida.

Silêncio.

Queria poder conversar com Melissa...


Fernando Vilela Paciencia.

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