Foi com esses
pensamentos que eu me lembro de ter acordado naquele primeiro dia, e que muito
provavelmente foram esses pensamentos que me levaram a dar início ao momento em
que eu estou hoje.
Eu já havia feito de
tudo até aquele momento, pelo menos tudo o que eu conhecia em meu pequeno
mundo. Já tinha aprendido a me expressar, a tentar barganhar quando queria
algo, a conversar com estranhos, a desenhar em meu bloco de papel, a brincar
nas ruas, a chorar por manhã, a usar as coisas que vinham a ficar cada vez mais
avançadas com o passar do tempo, se eu fosse resumir poderia dizer que já havia
feito tudo de uma vida. Mas foi aí que você por um mero acaso descobre que não
é bem por aí. E foi assim que conheci, Melissa.
Só por curiosidade,
comecei a me aventurar no que estava na moda naqueles tempos. Estava sendo introduzida
uma nova forma de conhecer desconhecidos. Fazer coisas irreais se tornarem
reais e tudo partindo de uma simples conversa através de uma tela digital. Para
todos, aquilo era muito revolucionário, mas para mim era apenas um meio de se
jogar um jogo virtual com alguém a quilômetros de distância. Mas como qualquer
outra pessoa curiosa quando compra um brinquedo novo, logo fui me aventurar
pelos meios virtuais que me levariam a encontrar e conversar com alguém, com
Melissa para ser mais exato.
Aos poucos me
familiarizei com as maneiras de como as pessoas interagiam nesses ambientes
virtuais, comecei a entender as nomenclaturas, as formas mais rápidas de chamar
uma atenção e partir para a razão de todo esse sistema existir que era de fato,
conhecer alguém. Sempre que eu tentava me conectar, tentava por horas a fio
encontrar alguém que tivessem coisas semelhantes comigo, mas muitas eram as
conversas frustradas ou irrelevantes que me levavam ao que logo viria a me
fazer perder o interesse por aquela coisa tão mirabolante. Conheci algumas
pessoas sim, isso eu não posso negar, mas nenhuma que me fizesse acreditar que
algo virtual pudesse se tornar de fato algo mais, que pudesse virar algum tipo
de realidade.
Foi então que em uma
das seções eu me deparei com Melissa.
Em uma noite como
outra qualquer, no meu dia de folga, estava eu a digitar com outras pessoas,
sem nenhuma pretensão, pois já sabia que de nada me levaria as conversas vazias
que vinha tendo, e foi quando assim de repente alguém me chamou para conversar.
Como qualquer início de conversa, a primeira coisa é saber de onde a pessoa é,
para se ter uma ideia do quão difícil vem a ser levar uma conversa mais a
fundo, afinal sendo pessimista, depois de muito o que conversar o ideal é
marcar de sair com a pessoa que está a tanto tempo conversando contigo, afinal,
será a primeira vez que você vai ver aquela pessoa que já estaria instalada em
sua rotina. Fiquei meio perplexo por ela morar do outro lado do país em que eu
moro e mesmo já desanimando no início por saber que nunca viria a conhecer,
decidir ser bem-educado e continuar a conversar com ela, apenas para passar o
tempo. Eu comecei aos poucos a me apaixonar. Tudo nela era extremamente
interessante, as coisas que ela gostava, o modo como ela pensava, as coisas que
já havia feito, tudo tinha um quê, que me deixava cada vez mais interessado
naquela que eu havia a pouco conhecido. As horas se passaram, mas a impressão
que eu tive era de que foram apenas alguns minutos de tão em bom tom que a conversa
caminhava, mas logo chegou a hora de nos despedirmos. Como eu poderia deixa-la
escapar por entre os meus dedos, agora que eu havia encontrado alguém que
realmente valia a pena? Meio sem jeito lhe perguntei se ela voltaria no dia
seguinte e para minha surpresa ela concordou desde que eu acessasse também o
mesmo objeto de interação. Combinamos mais ou menos um horário de nos
“encontrarmos” e assim, fomos seguindo dia após dia.
Era tão incrível
conversar com ela, como isso era possível? Nós sempre marcávamos nossos
encontros e tanto um quanto o outro sempre estava lá, na hora que marcávamos.
Não era uma lei, era só vontade de conversar entende? O papo, as brincadeiras,
as lamentações, as felicidades, tudo nos era compartilhado e eu sem saber ia
cada vez mais me interessando e me apaixonando por aquela moça que eu nunca
tinha visto, mas que eu sabia que ali existia, porque não era possível alguém
inventar tantas coisas sobre sua vida assim sem mais nem menos, e a troco de
que? Afinal tudo o que tínhamos um do outro, eram as conversas.
Com o passar do tempo,
queríamos deixar as coisas mais pessoais e eu lhe dei o meu contato de
correspondência direto e partimos do canal digital em grupo para conversas de
um com o outro e mais ninguém. Não que fizesse alguma diferença, porque quando
ela estava comigo eu não conseguia prestar atenção em mais ninguém que me
chamava nas conversas, afinal tudo o que eu havia procurado desde então, estava
comigo ao meu “lado”.
Um dos momentos mais
difíceis que passei com ela foi quando ela me pediu que enviasse uma foto. Além
do fato dela pedir para eu lhe enviar algo meu, qual foto eu deveria escolher
dentre todas as que eu tinha disponíveis em minhas mãos? Eu não parecia bonito
em nenhuma! Será que o problema era que eu não era bonito então? E se ela
também achasse que eu não era o bastante e sumisse? E se por isso ela nunca me
mandasse uma foto? Eram tantas as minhas dúvidas que demorei alguns dias até me
decidir, mas mandei a foto que eu achei que estava em melhores condições e
esperei. Não demorou muito para ela receber e dizer que eu era tão lindo quanto
ela esperava e quando eu recebi a dela eu tive a certeza de que a projeção de
Melissa que eu tinha meus pensamentos, batiam exatamente com a senhorita que
agora eu tinha a visão. Como eu estava feliz e cada vez mais apaixonado.
Foi depois disso que o
fator distância começou a incomodar. Afinal agora tudo o que faltava era vê-la
pessoalmente para poder ouvir sua voz também. Sim, eu até então não tinha
ligado para ela, pois estar do outro lado do país, tornava inviável tal
necessidade, então a forma mais tranquila de ouvir a doce voz dela viria a ser
encontra-la pessoalmente, mas como? Ela estava a literalmente milhares de
quilômetros de distância e eu não tinha como me locomover sem nem ao menos
dirigir. Foi então que tive uma ideia, chegaria o final do ano e eu poderia
pedir de aniversário um presente à um tio bem próximo, que no meu aniversário
costumava atender um pedido meu. Fui até ele e disse minha ideia, dele me levar
até lá para que eu pudesse encontrá-la. Ele achou de uma extrema bobagem, mas
quando chegasse a hora disse que conversaríamos.
Ansiosidade me
definia. Eu já havia contado a Melissa sobre a grande novidade e ela ficara
extremamente feliz, tanto quanto eu e eu comecei a contar os dias para chegar.
Conversávamos tanto, nos curtíamos tanto, e queríamos tanto nos ver que eu não
via o porquê esperar tanto por algo que poderia fazer toda a diferença. Pensei
em algo durante dias, e o que me fez parecer meio estranho para as pessoas, só
desabrochou no dia em que eu lhe pedi, “quer namorar comigo?”. Foi com essa
frase que eu escrevera a última mensagem para a Melissa.
Não tive resposta
aquele dia. Bem ela poderia estar ocupada e não teve tempo de ver suas
mensagens.
Não tive resposta no
dia seguinte. Bem ela poderia estar viajando e se esqueceu de me avisar.
Não tive resposta naquela semana. Será que aconteceu alguma coisa?
Não tive resposta na outra semana. Bem, eu fui o mais idiota de perguntar algo assim por mensagem eletrônica. Ele deve ter perdido todo o interesse em mim e agora está com medo de falar comigo e eu a pedir em casamento. Como eu posso ser tão burro dessa maneira?
Não tive resposta naquela semana. Será que aconteceu alguma coisa?
Não tive resposta na outra semana. Bem, eu fui o mais idiota de perguntar algo assim por mensagem eletrônica. Ele deve ter perdido todo o interesse em mim e agora está com medo de falar comigo e eu a pedir em casamento. Como eu posso ser tão burro dessa maneira?
Não tive resposta
naquele mês. Será que ela está doente? Será que aconteceu algo mais grave?
Eu tentava me segurar,
mas a vontade de entender o que havia acontecido era grande demais. Eu havia
mandado outras mensagens pedindo desculpas, perguntando se eu apressei demais
as coisas, se ela estava brava, se tinha acontecido algo, me lembro do dia de
escrever chorando se ela poderia conversar comigo apenas para eu saber se ela
estava bem. Ela nunca retornou.
Como as coisas passam,
essa era mais uma delas e demorou acredito que três meses para eu ficar
tranquilo e relevar o que viria a ser um ano perdido para meu coração. Eu havia
encontrado algo naquele treco eletrônico e quando tentei trazer para o mundo
real por acreditar que estava pronto, o mundo desabou sobre a minha cabeça. O
aprendizado ficou e a distância das coisas que me lembrassem de Melissa era
inevitável.
Foi quando em um dia
durante a semana, eu recebo uma mensagem eletrônica dela.
“Olá. Meu nome é
Juliana, e eu estou mandando essa mensagem com um grande aperto em meu coração.
Eu e meu marido discutimos muito antes de eu enfim lhe escrever mas acho que
você que abriu tanto seu coração deve ao menos uma explicação sobre o que
aconteceu. A Melissa nunca existiu. Por estarmos com tédio, eu e meu marido
entramos na rede social de conversas digitais e resolvemos que iriamos
conversar com alguém e inventar sobre alguma pessoa apenas para nos distrair, e
naquele dia era você que estávamos a conversar. Por pura brincadeira resolvemos
deixar a coisa evoluir e ver até onde iria, por isso tudo o que falávamos era
invenção, entravamos sempre para ver até onde sua ingenuidade ia, e cada vez
mais mentíamos para ti inventando alguma nova história sobre algum assunto que
liamos, ou que pensávamos só para fazer mais crível essa história. A foto que
mandamos, é de uma garota de verdade sim, mas a pegamos no acesso de procura
universal. Digitamos uma palavra chave qualquer e a foto da garota que mais se
assemelhava aos nosso relatos foi a escolhida e lhe enviamos sem compromisso
nenhum. E por mais incrível que possa parecer, acredito que ainda estaríamos conversando
com você falando em nome de Melissa, se você não tivesse feito o que fez.
Quando recebemos o seu pedido de namoro, foi como se um choque de realidade
batesse em meu coração, até onde estávamos indo com uma criança que mal sabe
interpretar o quanto a vida pode lhe enganar? Foi quando desaparecemos e
paramos de lhe responder. Meu marido era da opinião de apenas sumir e esquecer
tudo o que lhe fizemos, que uma hora ou outra você iria cair em si e deixar as
coisas seguirem, mas pra mim, eu queria muito lhe contar a verdade, acho que
pelo menos isso é algo que eu lhe devia e por isso eu estou aqui lhe mandando
essa mensagem e lhe pedindo minhas sinceras desculpas.”
Acredito que depois de
ler, foi como se o meu tempo ali estivesse congelado. Eu durante vários minutos
não consegui desviar o meu olhar mas meus olhos não paravam de se mover,
relendo algumas partes aqui e ali de tudo o que eu havia recebido. Palavras chaves
pipocavam em minha mente e eu acredito que naquele momento eu consegui ouvir, o
meu castelo ruindo pedaço a pedaço.
Silêncio.
Me levantei, apaguei a
última e todas as mensagens anteriores daquele destinatário fui até meu quarto
e chorei. Não consigo mensurar a dor que tive naquele dia em saber que tudo o
que acreditara naquele mês não passara da invenção da cabeça de duas pessoas.
Eu não conseguia acreditar no porque de ter acontecido logo comigo, algo tão
surreal assim, afinal eu era o último a acreditar que algo daquele mundo
poderia se tornar realidade, mas ainda sim, mesmo despois de ter tanta certeza
de que tudo não poderia passar de conversas jogadas ao vento por pessoas que
perdiam tempo, eu em alguma brecha me permiti sonhar e deixei alguém entrar.
Então porque, logo a pessoa que eu permiti fazer parte de meu mundo não
existia? Irônico não é? Você acreditar tão cegamente em alguém que não vê, que
nunca esteve realmente ali, mas que consegue te fazer se entregar tanto e com
tanta força, força essa que agora eu conseguia sentir em meu peito. A vontade
de puxar ele com toda a força e jogar para um lugar tão escondido, que nunca,
ninguém mais poderia encontra-lo para que ele nunca mais fosse machucado. Eu
chorei. E chorei por muito, muito tempo sem que ninguém soubesse, afinal eu fui
enganado e não deixaria ninguém descobrir mais isso. Ninguém descobrir mais
quem eu sou. Ninguém mais deve entrar, porque em algum momento, eles vão me
machucar. Eu sei. Eu sinto isso. Eu estou chorando por ser tão idiota a esse
ponto, mas eu nunca mais vou me deixar levar. Nunca mais vou deixar que me
enganem dessa maneira tão despretensiosa. A mentira que eu me permiti viver é a
maior mentira que alguém pode encenar, mas agora, agora todas essas lágrimas e
dor vão me fazer lembrar do porque eu não devo deixar ninguém fazer parte de
minha vida.
Silêncio.
Queria poder conversar
com Melissa...
Fernando Vilela
Paciencia.
0 comentários:
Postar um comentário
Deixe aqui o seu recado. =D