sábado, 16 de janeiro de 2021

Coisas que Escrevo 62 - Egoísmo por Ameixa.

Olá, meu nome é Arthur. 


Hoje eu vou contar para vocês sobre um momento muito importante em minha vida, o qual eu gostaria de compartilhar um pouco do que aprendi nesses meus 87 anos, é engraçado de se pensar, mas foi à alguns meses que eu finalmente entendi o quanto eu sou Egoísta e de lá para cá, a minha vida tem mudado muito. Eu poderia dizer até que mudou mais do que nos outros 31.755 dias anteriores.


Bem, vamos ver por onde eu posso começar? Eu acho que falar um pouco sobre mim é um bom ponto de partida. Oi, meu nome é Arthur, mas eu já disse isso não é mesmo? Acho que estou um pouco nervoso e me desculpe por isso. Hãm, eu tenho 87 anos e você também já sabe disso não é mesmo? Puxa vida, me desculpe, mas é que eu trabalho com atendimento ao cliente e... Ei, isso eu não tinha dito! Bom, eu trabalho com atendimento ao cliente basicamente toda a minha vida. Eu comecei lá por volta dos meus 12 anos ajudando em uma venda de garagem que minha tia tinha com muito custo organizado, e lá a gente acaba vendendo de tudo. O pessoal do bairro onde eu moro acabava sempre passando por lá para pegar uma cartela de ovos, balas, um chocolatinho pra depois do almoço, um elástico pra segurar algumas canetas que você podia encontrar ali também e todo tipo de coisa variada que você possa imaginar.


Como eu morava do lado de sua casa, eu meio que sempre estava por perto e mesmo que eu não era um empregado oficial, sempre que podia eu ficava de olho para ajudar no que pudesse, seja em dar uma olhada enquanto ela ia ao banheiro, ajudar a atender quando tinha algum movimento ou só preenchendo as palavras cruzadas por horas a fio esperando algum dos clientes que em algum momento ainda iriam passar por ali. Acho que essa foi a minha primeira experiência com o atendimento a outra pessoa que não fosse eu e eu tentava muito fazer o que achava o mais certo sabe? Eu tentava decorar os nomes dos clientes para recebê-los com um "Oi Marcos, como vai a Joana?" ou então "Gabriela vai querer aquela bala de Cola de sempre?", e no meu bairro aquilo era bem comum.


Com o passar dos anos, a puberdade, escola eu fui ficando mais atarefado e deixando de ter um tempo para ajudar ali na vendinha de garagem de minha tia, mas eu gostava muito daquele sentimento sabe? Eu sou útil e ajudei alguém, você sabe como é isso? E meio que isso foi me motivando sempre em minha vida, ajudar as pessoas, fazer com que elas se sentissem bem, ajudar no que eu podia, já planejar o que talvez a pessoa quisesse porque eu a conhecia e porque não fazer esse tipo de coisa por quem a gente gosta?


Ah os anos foram passando. Meus empregos foram sempre assim desde então, vendedor, call center, suporte técnico, o cara do computador que vem arrumar quando algo se quebra, e desde sempre eu levei no fundo do meu coração essa vontade de ajudar, fazer o diferente, não ser um cara que dá bom dia e faz o que tem que fazer para ir embora, eu tentava ser o cara que estava presente quando estava ali e não só para te ajudar se você estava com vontade de comer um doce. Não. Eu sempre pensei em ser um cara que podia te ouvir se você está passando por algo e fazer algo por você antes de qualquer coisa, porque eu tinha esse desejo, de ser tão presente na vida das pessoas, como elas seriam na minha sabe?


Passei por Estágios, passei por Empregos Bons e com certeza Empregos Ruins, passei por Temporário e até mesmo Por Conta, e sempre tentando zelar pelo melhor tipo de atendimento que você iria receber independente do que eu estivesse fazendo. Eu falo a sua língua e consigo entender o que você precisa. Eu te conheço não é mesmo, então porque não fazer esse tipo de coisa por quem a gente gosta, poxa vida?


Nessas tribulações todas do dia a dia eu conheci uma moça que veio a ser o amor da minha vida. Ah como eu a amei, e não eram poucas as vezes em que conversávamos e ela dizia que eu a conhecia melhor do que ela mesmo. Era incrível perceber que sabendo ouvir e prestando atenção direitinho, as pessoas dizem coisas mesmo sem falar uma palavra! E eu tentava prestar atenção em tudo. Ah não, não é o que você está pensando, que eu tinha um caderninho que anotava qualquer coisa sobre as pessoas a minha volta, não era isso não. É que eu estava ouvindo quando me falam alguma coisa e assim quando eu andava na feira e via uma ameixa, por mais que eu deteste ameixa, ah não, isso é ruim! Sério! Mas por mais que isso acontecesse, eu lembrava que Lídia adorava comer uma logo pela manhã depois de um dia cansativo de trabalho, pois como ela trabalha num hospital e fazia o turno da noite, sempre chegava em casa cedo e tomávamos um belo café antes de eu lhe dar um beijo e ir ao trabalho. Ah como eu a amei.


Não, nosso amor não deu nenhum fruto, eu sou estéril e por isso nunca fomos agraciados, pensamos em adotar uma vez, mas espero que não me julgue, mas ambos não nos sentíamos prontos como um casal para cuidar de alguém e eu acho que isso veio a fazer sentido depois. Meus clientes sempre reclamavam de suas vidas e afazeres e eu achava aquilo tão complicado, que sempre que conversávamos acabávamos dizendo uma frase engraçada de um filme "estamos velhos demais para isso". Hahaha, quem diria que aos 40 anos você pode se achar velho para alguma coisa, mas nós nos achávamos.


Bom, acho que agora já posso começar a falar um pouco sobre essa minha grande descoberta não é mesmo? E tudo começou quando eu comecei a perceber que Lídia estava diferente. Aos poucos os cafés foram se atrasando e ela chegava mais tarde ou eu mais cedo e acabávamos por não nos vermos, e no aos finais de semana, bem meus clientes precisavam de mim, e ela já não gostava tanto quanto eu passava horas tagarelando sobre isso, e eu devagar fui parando para não aborrecê-la, era o que ela queria. Com o passar do tempo não conversávamos mais e para não atrapalhar o seu sono, eu a deixava dormir ficando na sala, comprava um saco de ameixa e deixava na fruteira para ela comer quando tivesse vontade, deixava bilhetes dizendo que iria sair mas ela nunca os leria. Eu só fazia as coisas que ela queria, então um belo dia ela se foi.


Ah não se preocupe, é que eu a amei muito e me dói lembrar dela, mas podemos continuar sim. Ela não me deixou uma carta nem nada, ela só não voltou do trabalho e eu já sabia porque o senhor Michel tinha passado por isso com a ex esposa, ela deveria estar na casa de sua irmã agora, e ela estava muito, muito brava comigo, porque eu ligava e ela não me atendia, então eu respeitei a sua vontade e esperei até que ela me ligasse.


Meus clientes quando souberam ficaram surpresos e disseram que ela logo voltaria! Pois é, era esse tipo de coisa que eu precisava ouvir então eu continuei trabalhando, tentando não é mesmo? Porque aos 70 anos, a gente se esforça muito para conseguir algum dinheiro por aqui, e com essa aposentadoria eu não consigo nem pagar pelas ameixas...


Foi então que a dois meses eu recebi uma ligação e fiquei muito surpreso, era Larissa a irmã de Lídia, dizendo que se sentia muito só e que mesmo que a briga com Lídia que acontecera a 30 anos ainda pudesse doer, a falta desses anos todos de falar com a irmã era muito mais dolorida. Ah eu não contei? Puxa vida! Lídia e Larissa tinham brigado a alguns anos, e tudo porque numa festa de Natal elas levaram um mesmo Pavê. Dá pra acreditar? Um Pavê e olha que eu tinha dito para a Lídia que conhecendo a irmã dela, era melhor elas combinarem o que levariam antes, mas ela naquela vez não me ouviu e a briga foi feia. Envolveram até a Dona Clotilde a vizinha, pra ela dizer qual era mais gostoso, mas por elas não levarem em consideração o que uma ou outra fazia desde que eram meninas, ficaram sem se falar até que uma desse o braço a torcer.


Foi nesse dia que Larissa deu o braço a torcer. Eu fiquei surpreso, pois Lídia havia ido para a casa dela não? E nunca mais ligou ou me procurou? Mas não foi isso. Larissa não ouvira notícias da irmã a anos e agora eu e ela, as únicas famílias de Lídia estávamos totalmente desnorteados. 


Um velho de 87 anos que não tem notícias da esposa a 17.


A minha necessidade de atenção foi tanta, eu queria tanto ser visto que desde sempre eu só fazia o que eu queria e jogando a desculpa nos outros. É uma linha extremamente tênue.
Lídia nunca me atendeu, mas ela poderia me atender se quisesse?
Lídia começou a chegar mais tarde, mas ela queria começar a perder os nossos cafés?
Lídia adorava ameixas, mas será que elas tinham o mesmo sabor quando ela estava sozinha?


Foi ai que eu percebi, eu não estava me doando ou cuidando das pessoas a minha volta. Eu estava enfiando goela abaixo tudo o que eu queria ou achava que era necessário para que as pessoas gostassem de mim. Eu passava dos limites com tanto medo de rejeição que criava um mundo onde as pessoas precisavam tanto de mim que eu não tinha outra saída a não ser fazer isso por elas. Eu só falava delas o tempo inteiro porque eu tinha essa vontade de estar presente e me mostrar presente. Eu deixei de ajudar a minha tia porque ela estava pensando em fechar a vendinha mas eu nunca perguntei se ela queria algum outro tipo de ajuda. Eu sempre fiz o que eu quis, sem perguntar a ninguém o que talvez quem sabe elas pudessem querer que eu fizesse ou não. A minha vontade soberana de saber o que é melhor para cada um me apoderou como um Deus na vida das pessoas e elas se curvariam ao que eu lhes daria ou elas não seriam felizes. Eu me tornei um monstro.


Ao desligar o telefone, com 87 anos eu peguei o meu carro e dirigi ao hospital onde Lídia trabalhava e ela havia pedido demissão a mais ou menos 17 anos. Eu fui aos locais que costumávamos ir e a polícia e nenhuma notícia de seu paradeiro. Eu chorei. Chorava todos os dias antes de sair a sua procura, e todas as noites quando os meus velhos pés que já não aguentavam meu peso reclamavam do meu peso por ter andado o dia inteiro atrás de minha Lídia.


Dois meses eu procurei incansavelmente, e tarde da noite na curva em S antes de chegar até em casa eu perdi a direção de meu carro e caí morro abaixo. Eu não me lembro bem como eu cheguei até aqui, lembro de luzes, um barulho de sirene ao fundo e acordei aqui no hospital, milagrosamente só com a bacia quebrada e sem enxergar nada porque meus óculos se partiram no acidente e ainda não vieram me trazer um novo, a duas semanas pela data do jornal e agora eu estou esperando para saber o que quando eu vou poder levantar e andar por ai procurando por ela.


Ah muito obrigado por ter ouvido minha história moça, eu só gostaria de dizer uma única vez para a minha Lídia que eu não fiz nada por mal, eu só estava cego como uma topeira, como agora mas que eu a amo mais do que a minha vida e se pudesse eu faria tudo diferente para estar com ela e não ter perdido todos esses 17 anos, eu acho que eu abraçaria o meu Egoísmo, e tudo porque eu seria egoísta por querer ela pra mim, por mais um única vez. E moça, como você se chama?


Laura, é um nome bonito. Ah você nasceu nesse mesmo hospital? Puxa vida, e você mora aqui também? Que coisa! Nossa, sua mãe está na cama ao lado em coma, e você cuida dela desde que teve idade? E as pessoas do hospital te tratam bem? É fascinante que um bebê que nascera depois de de um trágico acidente de carro tenha sido tão bem cuidado, e que você pode ficar aqui sem complicações cuidando da sua mãe. Então ninguém sabe quem ela é porque não identificaram seus dados e como ela está em coma... Entendi, é engraçado você dizer isso, porque Lídia tinha um condição que o pessoal do hospital não sabia o que era, e foi a razão dela ser médica, que era entender porque não se tinha nenhuma informação dela em nenhum tipo de exame, era como se ela fosse uma desconhecida se não fossem seus documentos. Hahaha.


Que movimentação é essa na cama da sua mãe Laura? Ela tá bem? Socorro! Enfermeiras! Ajuda! Ei eu estou bem, é a moça ali do lado a mãe dessa jovem aqui! Não quero dormir nãoooo...


Olá, ah é você Laura? Puxa, sua mãe acordou?! Nossa que coisa feliz! Será que ela ouviu cada uma das coisas que eu falei e acabou acordando porque teve raiva de um velho doido egoísta? Desculpe por isso. Olha só senhora, você já está ficando de pé? Que coisa maravilhosa, a vida de vocês será tão incrível, e claro, eu adoraria ganhar um abraço sim.


Você me ouviu? Puxa vida! Então o que dizem mesmo que as pessoas ouvem mesmo durante o coma é verdade? Desculpe eu acho por ter te acordado, eu faço muito isso, atrapalho a vida das pessoas fazendo o que eu quero. Ah eu adoraria um presente sim, mas não precisa chegar tão perto senhora, sabe eu sou casado... Ei porque você está chorando? E nossa... Que coisa gostosa! É uma... uma... Ameixa.................. Lí.......... di........ a.



Fernando Vilela Paciencia.

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